

- Qual, Eugênia, sendo a destruição uma das primeiras leis da natureza, tudo que
destrói não pode ser crime. O que tão bem sirva à natureza não a pode ofender. Aliás essa
destruição que lisonjeia o homem é uma quimera, o assassínio não é destruição; o assassino
apenas varia a forma, faz voltar à natureza elementos dos quais ela se serve para recompensar
outros seres. Aquele que mata prepara um gozo para a natureza, dando-lhe ocasião de criar;
esses materiais, a natureza os emprega incontinenti e o assassino adquire um mérito a mais aos
olhos desse agente universal. Só o nosso orgulho erigiu o assassinato em crime. Pensamos ser as
mais importantes criaturas do universo e imaginamos que destruir tão sublime criatura deve ser
um crime enorme; pensamos que a natureza pereceria se nossa espécie desaparecesse da terra; a
inteira destruição da nossa espécie, restituindo à natureza a faculdade criadora que ela dispendeu
conosco, lhe daria uma energia que lhe tiramos com a propagação da espécie. Um soberano
ambicioso pode, sem escrúpulo, destruir todos os inimigos nocivos aos seus projetos de
grandeza; leis cruéis, arbitrárias, imperiosas, podem do mesmo modo assassinar em cada século
milhões de indivíduos, e nós, fracos particulares, não poderemos sacrificar um ou alguns seres à
nossa vingança e ao nosso capricho? Nada mais bárbaro, mais ridículo. Sob o véu do mistério
devemos nos vingar dessa inépcia!
É certo que, no estado de natureza, as mulheres nascem vulgívagas, isto é, gozando das
vantagens das outras fêmeas e se entregando, como elas, e sem nenhuma exceção, a todos os
machos. Tais foram, sem nenhuma dúvida, não só primeiras leis da natureza, como as únicas
instituições dos primeiros grupos humanos. O interesse, o egoísmo e o amor degradaram estas
bases tão simples e naturais. Nós pensamos nos enriquecer ao tomarmos uma mulher e, com ela,
o dote de sua família; eis satisfeitos os primeiros sentimentos que acabo de indicar; mais
frequentemente ainda raptamos esta mulher para, em seguida, prendermo-nos a ela; eis o
segundo motivo em ação, ou, em todo caso, a injustiça.
Jamais se pode exercer um ato de posse sobre um ser livre; é tão injusto possuir exclusivamente
uma mulher como possuir escravos. Todos os homens nasceram livres, todos são iguais em
direito, não percamos nunca de vista estes princípios. Não se pode pois admitir que seja dado a
um sexo o direito de se apoderar com exclusividade do outro; nunca um desses sexos ou uma
dessas classes poderá possuir o outro arbitrariamente. Mesmo uma mulher que descobre a
pureza das leis da natureza, não poderá alegar, para justificar a recusa de alguém que a deseje, o
amor que tenha por outro. Este motivo corresponde a uma exclusão e nenhum homem pode ser
excluído do direito de possuir qualquer mulher desde que tenha ficado claro que ela pertence a
todos os homens. O ato de posse não pode se exercer senão sobre um imóvel ou um animal,
nunca sobre um indivíduo que se nos assemelhe. Todos os laços que possam prender uma
mulher a um homem serão tão injustos quanto quiméricos. Se é pois incontestável que nós
recebemos da natureza o direito de expressar nossos desejos a todas as mulheres, é evidente que
as podemos obrigar a se submeter aos nossos caprichos, se não definitivamente, pelo menos
momentaneamente². É incontestável que temos o direito de estabelecer leis que as obriguem a
ceder aos desejos de quem as cobice; sendo a violência um dos efeitos deste direito podemos
empregá-la legalmente. A natureza não provou que temos este direito dando-nos a força
necessária para submetê-las a nossos desejos?

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